sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Ah, como essa vida é urgente!



(...) é preciso partir

é preciso chegar

é preciso partir, é preciso chegar...

Ah, como essa vida é urgente!

Mário Quintana



Sinceramente, espero não me decepcionar, não me meter em furadas, morando sozinha. Penso na janta de hoje que poderia ser o almoço de amanhã.

Penso em faltar comida e até atrasar algumas contas, mas nada que eu não consiga resolver.

Comparando o cotidiano e visitando alguns blogs encontrei os principais custos para sair de casa, por grau de importância:

Despesas de Primeiro Nível
São aquelas despesas essenciais pra sobrevivência ou pelo menos pra você não ir parar na cadeia ou no hospital por falta de comida.
Ex. Alimentação, Aluguel / Condomínio, Água, Luz e Gás.
Seja em restaurante ou na sua casa, é necessário se alimentar saco vazio não para em pé. E se você não pagar seu aluguel pode ser despejado então vai deixar de morar sozinho para começar a morar na rua.

Despesas de Segundo Nível
São aquelas despesas que garantem um conforto a mais, porém em caso de necessidades podem ser cortadas.
Ex. Telefone, Internet, Roupas, TV a cabo e Celular, ransporte
Inclui roupas nesse item porque todo mundo que mora sozinho anda pelado pela casa, então acredito que você só vai realmente precisar de roupas novas pra sair na rua.

Despesas de Terceiro Nível
Ex. Imprevistos
Acho que nem preciso falar que as leis de Murphy estão sempre do nosso lado. É aqueles tipo de despesa que não dá outra alternativa: um remédio, uma torneira quebrada, uma fechadura nova na porta.

Despesas de Quarto Nível

São aquelas que são totalmente fúteis e que não agregam valor nenhum a vida de quem mora sozinho.
Ex. Lavanderia, carro importado, geladeira de cerveja, ou aquela maquina de fazer suco que passa na TV.


terça-feira, 26 de agosto de 2008

CADA PALMO DESSE CHÃO

Aqui começa o caminho das 14 estações, dessa mina profunda do diabo que me carrega.
A agonia de um gigante, a falta de atitude dos anjos que me adormecem e não sabem de cor e de dor...

A mesma mão que padece, desenha entre cochilos e grafites, as sucatas e armadilhas da minha província interna.

Em retinas náufragas de vodca há o mesmo negro da sede a gritar que o preço da liberdade é a ressaca de desejos remotos...

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

ENTERRE-ME SENTADO

Meus primeiros beijos foram no cinema. Nervosa entre oferecer a bala ou os lábios, nervosa entre segurar suas coxas ou ler as legendas. Meio de lado, meio de frente, inclinado para os dois caminhos. Na primeira tentativa, ela negava. Na segunda, ela negava. Na terceira, a dúvida já nos unia. O sutiã é um cinto afivelado por dentro. Demora muita carne para chegar. Não vi os seios que toquei, minha mão viu e depois me contou. Não há nada nas árvores mais macio e liso. O mamilo era unha da neve. A unha que cavaria a minha vida. Meus melhores filmes eu não assisti. O cinema foi minha praça. Meu portão. Minha cama. Meu carro. Minha iniciação. Aprendia a sussurrar no cinema. Aprendi a usar os cotovelos nas camisas femininas para pedir aproximação. Aprendi a embaraçar as pernas e não andar com as minhas. Aprendi a não ser igual no dia seguinte. Posso estar doente, triste e enjoada, o cinema me acalma. Um tempo comigo, um outro ritmo, pouco a resolver. O cinema não me cobra decisões, não me cobra palavras. Ele respeita meu silêncio de ervas daninhas. Arboriza a barba com lã e quietude. Me protege da chuva e dos ruídos do estômago. O cinema me cura da tosse, da covardia de morrer, da incompreensão. O cinema é um hotel. Ao definir a poltrona, estou escolhendo um quarto. Deixo o filme resolver o que estava desorganizado. O cinema segura o livro para mim. Não penso, pressiono o corpo no fundo da cadeira. O cinema tem o cheiro de mato, os cipós de centenas de sopros entrelaçados. Por um momento, sou amigo de todos que estão na sala. Respiramos juntos como uma orquestra. O violino abraça o violoncelo, a flauta avisa do perigo dos carros para o trombone. Os ouvidos vivem o suspense da caridade, a receber as moedas no chapéu. O cinema me acalma, desde a bilheteria.
O tapete vermelho como da casa antiga. Preso no chão como um lagarto, sou subornada a pássaro. Parto o pescoço para o alarido das imagens. E viajo acompanhado de minha mulher. Nenhuma ave viaja sozinha. Desde o primeiro beijo, eu não consigo ir ao cinema sozinha. Não suporto uma alegria sozinha. Uma incompetência ao escuro, o ombro de minha mulher é o abajur que busco em segredo. Quando sou feliz, preciso me repartir. Escorar-me no rumor de água.
Preciso de uma mão mais do que o braço da poltrona.

domingo, 9 de dezembro de 2007

MORDEMOS UMA CESTA INTEIRA DE MAÇÃS


Eu sou um bicho curioso, sacrifico uma relação e parto para outra por ambição. Se caso cedo, penso que faltou conhecer mais mulheres antes. Se caso tarde, acredito que quando solteiro havia mais chances de ser feliz. Eu sou nostálgica. Nunca estou satisfeita com o que tenho. Fico enjoada com rapidez. Enjoo de mim mesmo. Ao invés de melhorar e treinar com afinco, troco o técnico ou culpo a torcida. Eu cogito que sou desfavorecida. Enquanto como olho o prato do outro. Deveria aprender mais com os pássaros. Um pássaro não morde vários frutos ao mesmo tempo, para descobrir o sabor de cada um deles. Não estraga os frutos pela ânsia da posse. Não quer ter todos, mas ser todos em um. Não destrói a árvore para fazer barulho. Ao pegar um fruto num dia, volta ao mesmo fruto no dia seguinte. É leal e econômico no afeto. Descasca o sumo de leve com o bico e toma cuidado para não assustar os insetos dentro. É devoto em sua escavação. Leva o alimento para os filhotes, abastece seus olhos africanos, engrossa seu ninho de estrelas e regressa ao seu ponto de origem. Um fruto durará uma semana em seus volteios. Até não sobrar nada, até a semente ficar lustrada de sol. Nós não, somos bichos insatisfeitos. Deixamos marcas, cicatrizes, tatuagens e provas de que estivemos ali. Mordemos uma cesta inteira de maçãs sem sequer terminar uma delas, sem conhecer a alegria do pecado de se dedicar somente a uma delas. Podemos amar para provocar ciúmes, abandonar uma paixão para mostrar independência, trair para magoar, ferir para gerar autoridade. Interessamo-nos pela quantidade, por contar quantas pessoas tivemos, por contar quantas vidas perdemos. O pássaro é um bicho invisível. Não muda a ordem, é capaz de arrumar sua cama mesmo hospedado em hotel. Nós deveriamos observar mais os pássaros. Eles mordiscam os brincos das árvores e não derrubam as orelhas. Não precisam de platéia para matar a fome. São concentrados, não se dispersam na avidez. Os pássaros circundam, namoram, seduzem a fruta antes de pousar. Batem as asas com força para depois descer o próprio corpo flanando. Têm imaginação. A imaginação hidrata e faz a saliva subir. Um romance sem imaginação é livro técnico. Um amor sem imaginação é manual de geladeira. Nós sem imaginação somos bichos esquisitos. Ao transarmos sem imaginação apenas arrumamos nossa gravata no espelho. Ao mastigarmos sem imaginação vamos apoiar os cotovelos na mesa. Ao abraçarmos sem imaginação carregaremos garrafas vazias. Nós sem imaginaçaõ somos bichos mortos.

MÉDIA COM PÃO E MANTEIGA


Quando a gente guarda a alegria, ela diminui. Quando a gente guarda a dor, ela aumenta. Meus sentimentos não freqüentaram igual escola. A esperança se formou em escola pública. A avareza saiu de escola particular. Meus sentimentos mudam de freqüência, não têm a mesma escolaridade. Muitos não completaram o Ensino Fundamental. Minha raiva é primária. Xingo mudanças de pista sem pisca no trânsito, enlouqueço em filas, abomino preconceito, conversa alta no cinema e ser abandonado no restaurante. A raiva vai agredindo antes de refletir. Minha ternura já é pós-graduada. Posso me condoer se um caramujo demora uma semana para atravessar a parede da sacada ou adoecer se um passarinho é pisoteado pela rua. Bipolar é pouco para mim, sou multipolar. A depressão é somente um entusiasmo que pensa demais. Predomina o hábito maniqueísta de uniformizar o perfil das pessoas, de fechar a conta, de concluir se alguém presta ou não presta, eliminando as contraprovas. Se o cara é um péssimo marido, conclui-se que é também um péssimo pai. Não é assim. Pode ser um péssimo marido e um excelente pai ao mesmo tempo. Pode trair, discutir e brigar com a mulher e cuidar dos filhos de um jeito amoroso e único. Pode ser um gestor impecável no trabalho e se endividar sem limites em casa. Minha dor é inteligente, minha alegria é burra. Não amadureci de todo, tampouco me infantilizei de resto. Sou desigual, como uma família que se divide e migra para tentar chance em outro estado. Não sofro parelho, harmônico, um naco por vez. Sofro para explodir, em uma única dose, até cansar de sofrer. O travesseiro detesta, mas nesse momento é rebaixado para toalha de rosto. Pior é quando ele se torna tapete do banheiro. Minha euforia é apressada, quis trabalhar cedo e largou os estudos. Trocou a mesada pelo cartão-ponto. Não existe harmonia entre as experiências. Minha generosidade ganha a vida trançando cestas de vime para roupas sujas. Minha criatividade monta pandorgas para engrossar o vento. Minha persistência fez MBA para se sobressair diante da concorrência. Na poesia, desenvolvo profissões extintas. Cada lembrança é uma personagem diferente em mim. Expresso a mais analfabeta emoção para demonstrar sábia serenidade mais adiante. Desisti de me censurar. Não mudo de opinião, mudo o sentimento da opinião.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

COMO UMA MAÇÃ, QUE SAUDADE DOS MEUS CHÁS!

Um cheiro de refogado chega pela janela, deve ser da casa vizinha. Olho a cama a minha volta e meu pé toca o chão frio, é inverno. Abro a porta do meu quarto que não é meu. Não sei se chove há dias, nem se as ruas estão meladas, e ontem quis tirar roupas do armário e eu nem tenho armário. A noite foi inquieta, os ratos imitavam passos no quintal, o celular estava no meu sonho e me fez ter um pesadelo com duas caboclas e suas filhas, sorridentes, cevadas e com colares de pérolas, tentando tirar de minha mão o controle remoto da TV. Eu resistia e mandei que arrumassem a geladeira. Acordei com o último despertar do celular. Seis e dez. Havia acabado de pegar no sono. Liguei rádio, um pequeno rádio que minha irmã ganhou na infancia e fiquei ouvindo um ex-embaixador velhinho sem ver sua cara flácida e manchada.
Meu estômago parecia desgostoso. Talvez seja porque preciso de um emprego urgente, e é uma lenha achar algum que se pareça comigo, se eu tivesse um emprego meu pai falaria olhando pra mim. Levantei e espalhei a tinta em uma tela, foi pra destruir mesmo. Fiquei ouvindo música bem baixinho e dormi lá pelas sete. Às dez acordei muito triste, depois de novo ao meio-dia. Saí da cama ouvindo alguém entrar, não era ninguém, imaginei que fosse a minha irmã gritando como sempre. E nada pode ficar trancado, não sei pra que existe as chaves – ah, acorda, acorda que aqui não é hotel! – aviso assim não é emergencia.
Tranco a porta novamente e penso que depende...
Aí fumo um cigarro e sinto uma saudade dos meus chás...

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

CARTA A MEU PAI

A casa estava triste, o dia estava chuvoso, não havíamos preparado nada de especial, bolos ou tortas. Uma residência no inverno em pleno inverno. Escura e discreta diante da vizinhança barulhenta entre tiros e fogos de artifício. Meu pai estava doente. Tudo para dar errado. Tenho 22 anos, mesmo assim não me lembro bem. Meu pai há muito separara e minha mãe partiu para uma viagem sem previsão de retorno. A memória guarda o essencial e elimina as datas. A memória é também uma espécie de imaginação. Sempre que a casa desanimava, eu e meus irmãos encontrávamos uma força de nossa própria infância. Uma coragem que pouco conhecia. Uma coragem adulta que os adultos esquecem por indiferença ao mundo.

Deu vontade de fazer uma festa para o papai, já que todos os dias ela havia preparado nosso contentamento. Nem aí para o Papai Noel, dia das crianças, brinquedos e suas promessas. Pra que precisamos de guarda-roupas se não temos roupas. Arrumaria a mesa, colocaria velas, sopas, compraria sorvetes no mercado e um chocolate dividido em barras. Ele parecia estar triste e eu não perguntaria. Minha educação não permite perguntar no momento em que a sensibilidade sabe a resposta. Seu cansaço agravava o rosto. Vontade de dar um abraço nele, escolher sua roupa, nunca escolhi suas roupas. Colocar em seu pescoço o seu melhor escapulário. Ampliar seus olhos com as nossas bocas. Aos poucos, ele recuperaria o riso, o tom. O mesmo riso de quando ele me buscava na escola, surpreso com um ventre amadurecido em filho. Cantaríamos a noite inteira. Se fisesse silêncio agora, ainda escutaria nossas vozes misturadas ao barulho das louças. A gritaria incontida, o abraço interminável como um corredor de arbustos. Mesmo sem presentes, naquele noite poderíamos aprender que não precisamos de muito para celebrar. Basta improvisar com o que somos, não com o que temos.