domingo, 9 de dezembro de 2007

MORDEMOS UMA CESTA INTEIRA DE MAÇÃS


Eu sou um bicho curioso, sacrifico uma relação e parto para outra por ambição. Se caso cedo, penso que faltou conhecer mais mulheres antes. Se caso tarde, acredito que quando solteiro havia mais chances de ser feliz. Eu sou nostálgica. Nunca estou satisfeita com o que tenho. Fico enjoada com rapidez. Enjoo de mim mesmo. Ao invés de melhorar e treinar com afinco, troco o técnico ou culpo a torcida. Eu cogito que sou desfavorecida. Enquanto como olho o prato do outro. Deveria aprender mais com os pássaros. Um pássaro não morde vários frutos ao mesmo tempo, para descobrir o sabor de cada um deles. Não estraga os frutos pela ânsia da posse. Não quer ter todos, mas ser todos em um. Não destrói a árvore para fazer barulho. Ao pegar um fruto num dia, volta ao mesmo fruto no dia seguinte. É leal e econômico no afeto. Descasca o sumo de leve com o bico e toma cuidado para não assustar os insetos dentro. É devoto em sua escavação. Leva o alimento para os filhotes, abastece seus olhos africanos, engrossa seu ninho de estrelas e regressa ao seu ponto de origem. Um fruto durará uma semana em seus volteios. Até não sobrar nada, até a semente ficar lustrada de sol. Nós não, somos bichos insatisfeitos. Deixamos marcas, cicatrizes, tatuagens e provas de que estivemos ali. Mordemos uma cesta inteira de maçãs sem sequer terminar uma delas, sem conhecer a alegria do pecado de se dedicar somente a uma delas. Podemos amar para provocar ciúmes, abandonar uma paixão para mostrar independência, trair para magoar, ferir para gerar autoridade. Interessamo-nos pela quantidade, por contar quantas pessoas tivemos, por contar quantas vidas perdemos. O pássaro é um bicho invisível. Não muda a ordem, é capaz de arrumar sua cama mesmo hospedado em hotel. Nós deveriamos observar mais os pássaros. Eles mordiscam os brincos das árvores e não derrubam as orelhas. Não precisam de platéia para matar a fome. São concentrados, não se dispersam na avidez. Os pássaros circundam, namoram, seduzem a fruta antes de pousar. Batem as asas com força para depois descer o próprio corpo flanando. Têm imaginação. A imaginação hidrata e faz a saliva subir. Um romance sem imaginação é livro técnico. Um amor sem imaginação é manual de geladeira. Nós sem imaginação somos bichos esquisitos. Ao transarmos sem imaginação apenas arrumamos nossa gravata no espelho. Ao mastigarmos sem imaginação vamos apoiar os cotovelos na mesa. Ao abraçarmos sem imaginação carregaremos garrafas vazias. Nós sem imaginaçaõ somos bichos mortos.

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